segunda-feira, 6 de junho de 2011

Dossiê "Sinal Fechado" I




"Me Deixe Mudo"
A censura e a Música Popular Brasileira nos anos 70.
  
Em 1964, instaurou-se no Brasil a ditadura militar, que gerou uma série de ações arbitrárias de efeitos profundos e duradouros. Quatro anos depois, o General Costa e Silva assinava o Ato Institucional n° 5 que acirrava a repressão do regime militar brasileiro, tornando-se marco do momento mais severo da ditadura. O AI-5 deu poder aos governantes para punir os inimigos do regime ou como tal considerados. Antes disso, o governo já possuía um instrumento oficial para liberar (ou não) as músicas que poderiam ser executadas ou gravadas por meio da Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP). Esta prática acabou provocando uma ruptura abrupta das experiências musicais que estavam sendo produzidas durante toda a década de 60, da Bossa Nova ao Tropicalismo.
O tumultuado cenário brasileiro tornou-se campo fértil para o surgimento de uma “frente ampla musical”, reunida pela ânsia de protestar contra violência e a intolerância política da ditadura, a grosso modo contrapondo-se à Bossa Nova - mais empenhada em trabalhar os elementos melódicos e rítmicos da canção do que propriamente letras rebuscadas. Esta nova vertente empenhou-se em produzir músicas bem mais agressivas, de denúncia e de protesto. A temática não era mais “o amor, o sorriso e a flor”, mas a tortura, o medo e a censura. Fez-se da arte um manifesto por liberdade e justiça social. Segundo Napolitano (2002:70), “não havia mais lugar para experimentalismos e nem para o surgimento de novos gêneros e estilos, ao menos a partir de 1972.” (1)
Essa nova realidade permitiu que as tensões internas dentro da música brasileira fossem serenadas, incorporando no seu seio artistas antes considerados “rivais”. Foi o caso dos tropicalistas, Caetano Veloso e Gilberto Gil, até então rotulados pela esquerda de alienados foram inseridos no movimento. Iniciava-se um processo de “institucionalização” da MPB. O A1-5 exerceu um papel dúbio nesse trajeto: fez emergir um espaço de debate político em tempos de forte coerção; por outro lado, atravancou seu desenvolvimento. O exílio de artistas de renome impediu a rápida consolidação do “produto” MPB e a censura dificultava o atendimento à demanda por canções engajadas politicamente. A produção e a divulgação das obras foram dificultadas no mercado brasileiro.
A ação castradora da censura tornava-se cada vez mais implacável, marcando profundamente a produção cultural dessa geração de artistas e intelectuais, problema que só foi sanado após 1978. Em entrevista a Revista Veja, no ano de 1976, Chico fez a seguinte declaração:
Chico Buarque e Toquinho nos tempos de exílio
na  Itália ,  durante  o regime militar,  quando a
dupla  compôs o  Samba  de  Orly:  'Não   diga
nada,   que me viu   chorando, e pros da  pesada
diz que eu tô voltando...'
A censura tem de acabar e não voltar nunca mais. Ela mutila todas as características de uma época. Esses meninos que estão começando a fazer música agora. Já imaginou? Se nas primeiras tentativas, como tem havido tantas — e tantas que ninguém nem sabe — tudo já vem proibido, isso produz a monstruosidade da autocensura, fatal a qualquer tipo de atividade criadora. Há uma geração que nasceu dentro da censura, para a qual o certificado de liberação é tão normal e necessário quanto a carteira de identidade. Para mim, para uma geração que se criou quase que sem censura, é chocante ter de mandar textos, às vezes muito íntimos — toda criação requer uma entrega muito particular — , para um funcionário examinar, dizer se pode ser divulgado ou não. Com o garoto que surge agora não é assim. Por isso que tem tanta gente compondo em inglês, pois é mais fácil de passar. ‘Da próxima vez vou procurar acertar, pois parece que fiz algo de muito errado.’ Esse é capaz de ser o raciocínio do garoto que começa e se vê censurado. (2)



(
1) A partir do final da década de 60, a MPB adquiriu o status de indicador social de bom gosto. Com o advento da década de 70, começou a se institucionalizar. A classificação MPB engloba uma imensa diversidade de gêneros e estilos musicais. Ver: NAPOLITANO, Marco. História & Música, 2002, p. 69-75.
(2) Revista Veja, 26/10/76. Entrevista de Chico Buarque concedida à Antônio Chrysóstomo.