sexta-feira, 10 de junho de 2011

O filme “Silêncio 63” sobre o massacre de Ipatinga participa do Festival de Cannes


A aluna Amanda Lana (EDI 3) indicou esta reportagem sobre o filme Silêncio 63, publicada no jornal Diário do Aço. Confira a matéria na sequência:


     O “não-dito” sobre o Massacre de Ipatinga


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Fábio: “O massacre é um tabu, assim
como outras memórias desse período,
desse lapso de governo militar, e isso
é inegável”
IPATINGA – O Massacre de Ipatinga já foi tratado de várias formas. Apesar disso, o tema ainda é considerado tabu e muitos se calam diante das perguntas sobre o que de fato aconteceu em 7 de outubro de 1963. Foi por isso que o cineasta ipatinguense Fábio Nascimento, que mora na França, resolveu gravar o filme “Silêncio 63”. A produção foi finalizada em março deste ano e exibida pela primeira vez no Festival de Cannes, encerrado no último dia 22.
O filme integrou uma mostra de curtas intitulada Short Film Corner, onde não há competição. No filme, o silêncio, depoimentos e a narrativa pessoal de Fábio Nascimento transmitem em 23 minutos o peso que o assunto tem até os dias de hoje. Aos 14 anos de idade, Fábio se deparou com a foto histórica de um soldado armado no dia da tragédia e assim começaram as perguntas sobre o assunto.
Foi aí que Fábio se deparou com o silêncio ao indagar a família e demais pessoas sobre o fato. Fábio Nascimento foi para Juiz de Fora em 2003 para estudar Comunicação Social na Universidade Federal de Juiz de Fora. Dois anos depois ele decidiu abandonar a carreira de jornalista para recomeçar seus estudos em Paris, onde vive até hoje. Graduou-se em Cinema pela Université de Paris 3 – Sorbonne Nouvelle e, na sequência, ingressou no mestrado de Cinema Documentário da Université de Paris 8 – Vincennes Saint-Denis, para o qual “Silêncio 63” foi o projeto final apresentado. Em entrevista ao DIÁRIO DO AÇO, por email, Fábio Nascimento falou sobre o filme.
DIÁRIO DO AÇO – Qual significado de participar do Festival de Cannes com o filme?
FÁBIO NASCIMENTO - Participar de Cannes como primeiro festival é muito enriquecedor, mesmo que o filme esteja numa mostra não competitiva. É um dos maiores festivais do mundo em termos de mercado cinematográfico, onde a network pode acontecer a qualquer momento. Sem dúvidas é um festival útil pra desencadear outros festivais pro filme, e fazer novos encontros que possam se tornar co-produções no futuro. Depois de Cannes o filme deve seguir os festivais da Europa que o selecionarem, como na Suíça e na Croácia, assim como os primeiros no Brasil. Estes ainda não divulgaram suas listas, mas esperamos passar em São Paulo e Belo Horizonte em breve.
DA – Como o filme foi recebido pelo público em Cannes?
FÁBIO NASCIMENTO - Participar de um mega evento como Cannes é como correr uma maratona; o melhor é ter chegado ao fim tendo aproveitado todas as oportunidades que aquilo te ofereceu. Tive a sorte de conhecer pessoas ótimas do mercado de cinema, curadores de festivais importantes que se interessaram pelo filme. Gosto de conversar com as pessoas que assistem a este filme; muita gente é tocada, se sente parte daquilo. É um filme muito pessoal, apesar de todo o fundo histórico e social, e isso ou toca ou não toca. Eu gosto de ver como cada pessoa reage de uma forma diferente.
DA – Você tem planos para trazer o documentário para Ipatinga?
FÁBIO NASCIMENTO - Sim, queremos muito organizar um evento pra projetar o filme em Ipatinga, afinal de contas isso é o mínimo que fazemos, devolvendo a histórias aos seus personagens, ao seu cenário. Porém ainda não temos nada marcado; estamos contando com o apoio de pessoas que vivem aí que já começam a nos propor a organização de uma exibição. Mostrar o filme aí é muito diferente do que em qualquer outro lugar, naturalmente. Não é só uma história e um filme, mas também pessoas, locais, memórias. Exibir o "Silêncio 63" em Ipatinga é levar o filho de volta a casa.
DA - Como foi feito o trabalho de pesquisa e filmagem?
FÁBIO NASCIMENTO - Eu comecei a pensar nesse projeto por volta de 2005, quando participei da equipe do documentário "Conquista", dirigido por Felipe Hutter e Flávia Vilela, sobre o mais antigo grupo do MST, na fronteira com a Argentina. Nessa época eu tinha apenas a vontade de contar essa história. Anos mais tarde, em 2008, esse projeto foi aceito na Universidade Paris VIII. Filmamos super rápido. Em 8 dias tínhamos todo o material filmado.
DA – O silêncio despertou curiosidade em você sobre o assunto. Por que abordar o tema por essa ótica?
FÁBIO NASCIMENTO - O massacre é um tabu, assim como outras memórias desse período, desse lapso de governo militar, e isso é inegável. É ainda mais tabu quando se trata de estabelecer laços entre este evento e o golpe de Estado que aconteceu meses depois. Estamos produzindo mais e mais filmes nos últimos anos, mas falta tocar essa memória, saldar esse passado. O massacre é cheio de controvérsias como todas essas histórias “não-ditas”. Acredito que seja uma questão de abertura e de interesse em tratar do passado. De toda forma, não é possível apagar uma memória desagradável, podemos apensas nos lembrar de forma menos dolorosa. A história do massacre não é tão difícil de descobrir depois que se ouve falar uma primeira vez; é um tabu, mas como todo tabu, a história tá aí, aos olhos de todo mundo. Porém, pra contar a história, tudo muda quando ela é um tabu. Como filmar uma história que já aconteceu e que as pessoas são apreensivas de falar sobre? Foi aí que resolvi transformar a dificuldade de realização em ferramenta pra contar a história. Se é difícil fazer as pessoas falarem, então faço um filme sobre a dificuldade de se chegar nesse assunto, sobre o “não-dito”.

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Seu Juca é o personagem que mais marcou o diretor do curta
DA – O que mais te marcou durante as gravações?
FÁBIO NASCIMENTO - Eu passei um ano escrevendo este curta; tinha uma estrutura precisa em mente, e tive a sorte de conseguir realizar tudo o que tinha pensado, mesmo não se tratando de uma ficção, e ter que contar com a colaboração de pessoas e situações. Apesar disso me deparei com duas situações que não estavam de fato previstas. Uma delas foi ter encontrado por acaso, durante um dos 8 dias de filmagens, com alguém que, mesmo não tendo vivido o massacre, sabia fazer a ligação temporal que eu buscava, 1963 e 1985; o massacre e o começo da ditadura, e com o fim da mesma e o meu nascimento. Tive o prazer de ter encontrado e filmado o José Elias dos Santos, o seu Juca, homem de uma força incrível e uma expressão muito emocionante. A única pessoa que realmente viveu o massacre que participa do filme. É quase sempre ele quem mais emociona as pessoas no filme.


Reportagem do jornal Diário do Aço, dia 25/05/2011.


Vamos aguardar a exibição do filme por aqui!